Degeneração: Pentecostalismo (emoções e experiências, com denominacionalismo); renovação carismática (aprofundamento na carne, inter-dispensacionalismo e ecumenismo); neo-pentecostalismo, movimentos de confisão positiva Rema e similares (shows e carnalidade, Nova Era evangélica, crescimento dos sem religião).




Nova Era Evangélica, Confissão Positiva e o Crescimento dos
Sem Religião

Alexandre Brasil Fonseca

Doutorando em Sociologia/USP

Trabalho apresentado no seminário temático ST02 "Nova Era e o complexo alternativo".
VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina
São Paulo, 22 a 25 de setembro de 1998


In the subconscious God presides with His illimitable power. If you are allowing yourself to be defeated, practice thinking confidently and focus your thoughts on God. This inward power, this power of God within you, is so tremendous that under stress and in crises people can perform the most incredible feats.

Norman Vicent Peale, autor do livro O Poder do Pensamento Positivo



A Nova Era é definida como um movimento não organizado, que acontece mundialmente neste final de século, caracterizando-se pela adoção de uma série de sistema de crenças, advindos de outras religiões ou organizações (Heriot, 1994:59). Para Heelas "a melhor maneira de encarar a Nova Era é vê-la como um conjunto de caminhos, que representam variações (algumas muito diferentes) sobre o tema da religiosidade do eu" (Heelas, 1996:18), onde também desenvolve-se uma série de práticas terapêuticas. Suas características se difundem por todo o campo religioso e no dinâmico processo de disputa por fiéis a ascendência da Nova Era acaba influenciando o campo com semelhanças no seio de outras crenças e religiões.

Estariam os evangélicos - principais críticos da Nova Era juntamente com os carismáticos católicos - criando, adaptando e recodificando ensinamentos dela em suas práticas cotidianas? Que efeitos isso traria para o campo religioso brasileiro neste final de século? Nosso objetivo neste artigo é discutir as relações do crescimento evangélico com a adoção por parte desse grupo de uma "religiosidade do eu" e as conseqüências dessa união com o aumento em nosso país dos que se afirmam "sem religião".



Uma Nova Era Evangélica?

Um primeiro elemento que parece confirmar a adoção por parte dos evangélicos de elementos da Nova Era se refere ao hábito de leitura dos fiéis no Rio de Janeiro. Livros relacionados a doutrina da Confissão Positiva ocupam destaque nas preferências dos leitores evangélicos. Entre junho e outubro de 1996 entrevistamos 935 evangélicos de 25 denominações na Região Metropolitana do Rio de Janeiro para uma pesquisa sobre os usos e efeitos da mídia no cotidiano dos fiéis (Fonseca, 1997). Ao todo foram citados espontaneamente 120 obras por 350 pessoas (37%) que afirmaram terem lido recentemente. Na Tabela 1 reproduzimos os 15 títulos mais citados.

 

Tabela 1

Livros mais lidos

Livro, Editora

Autor

Citações

Bênção e Maldição, Betânia

Jorge Linhares

13

O Nome de Jesus, Graça Editorial

Kenneth Hagin

9

Neste Mundo tenebroso, Vida

Frank Perreti

5

O Perfil da Mulher de Deus, Gráfica Universal

Edir Macedo

5

A dose mais forte, Gráfica Universal

Renato Maduro

5

Autoridade Espiritual, Vida

Watchman Nee

3

Cama Curta, Vinde

Caio Fábio

3

A Cruz e o Punhal, Betânia

David Wilkerson

3

Curai enfermos, expulsai demônios, Graça Editorial

T. L. Osborn

3

Ei, Deus!, Vida

Victor Foglio

3

O Fator Oração, Juerp

Fippit

3

Nos seus Passos o que faria Jesus, Juerp

Sheldon

3

Manancias no Deserto, Betânia

Chapman

3

Namoro, Noivado e Casamento, Sepal

Jaime Kemp

3

O Perfil do Homem de Deus, Gráfica Universal

Edir Macedo

3

Fonte: Fonseca, 1997.

O livro "Bênção e Maldição" foi o mais citado, "livro de bolso" que em suas 52 páginas mostra como as pessoas devem fazer para não trazer maldições para si e seus familiares a partir daquilo que falam. Interessante notar que o livro de Hagin, o segundo mais citado, também caminha num sentido semelhante ao livro do pastor Jorge Linhares. Hagin desenvolve como a citação do "nome de Jesus pode fazer maravilhas". Juntamente com o livro de Gosset ("Há poder em suas palavras"), que foi citado duas vezes, temos uma tríade bastante interessante, que reflete uma expressiva preferência de leitura entre os evangélicos no Grande Rio.

Buscamos então uma classificação para os livros em tipos distintos. Formulamos 16 grupos entre os quais, na Tabela a seguir, aparecem nove tipos. Por "Vida Cristã" pensamos em livros que buscam, a partir de diferentes instrumentais, oferecer questões práticas para a vida cristã. Quase todas as obras de Caio Fábio e Edir Macedo foram incluídas nesse grupo. Colocamos sob o nome de "Confissão Positiva" aqueles que abordam como a fala pode ajudar a "abençoar as pessoas". Temos também livros de testemunhos/biografias; psicológicos que tratam de relacionamentos não-sexuais; apologéticos (sobre muçulmanos, adeptos de religiões mediúnicas etc.); devocionais, estruturados com leituras diárias para a reflexão pessoal; de Batalha Espiritual; da Teologia da Prosperidade, e relacionados à sexualidade. Abaixo, na Tabela 2, apresentamos por denominação os tipos de livros mais lidos - as células marcadas referem-se aos que se destacam por denominação. Os livros do tipo "Vida Cristã" ocuparam em todas o primeiro lugar:

 

Tabela 2

Tipos de livros mais lidos por denominação (%)

Tipos de Livros

Assemb.

Bat.

Univers.

Histór.

Pentec.

Renov.

Vida Cristã

30,7

28,7

63,5

27,0

34,4

21,8

Conf. Positiva

8,0

8,2

1,1

7,9

13,8

-

Psic.

3,0

13,5

-

13,4

5,2

6,4

Sexo

5,0

6,8

5,4

4,5

-

6,4

B. Espirit.

3,0

5,4

5,4

3,0

3,4

10,6

Testemunhos

6,9

-

-

1,5

3,4

6,4

Teol. da Prosper.

-

-

1,1

-

5,2

4,3

Devoc.

5,0

1,4

-

6,0

3,4

4,3

Apolog.

1,0

5,4

3,3

1,5

3,4

6,4

Fonte: Fonseca, 1997.


Entre os entrevistados 25% leram livros de "vida cristã", 7,5% "livros psicológicos", 6,7% livros de "Batalha Espiritual" e de "Confissão Positiva", 4,3% livros sobre sexualidade, 4,2% biografias e testemunhos, e 4% "livros devocionais" e relacionados à "Teologia da Prosperidade". As obras de Macedo, lidas por 63% dos fiéis da Igreja Universal, são um problema de classificação à parte, já que, além de práticos para a vida cristã, neles estão embutidos ensinamentos que podem ser classificados de Confissão Positiva ou da Teologia da Prosperidade, com baixos percentuais dentro da igreja, fato que, contudo, não indica que esses ensinamentos não aconteçam no interior da denominação. No caso temos apenas pouquíssimos fiéis que adquirem livros fora do escopo de opções, e mais facilmente classificáveis, da Gráfica Editora Universal.

Também é curiosa a preferência dos históricos (inclusive batistas) por livros que tratam de relacionamentos não-sexuais (livros psicológicos). Nas igrejas dessas denominações essa opção ocupa a segunda colocação. Sua boa colocação também entre os fiéis das igrejas renovadas aponta a existência de um processo entre as classes médias de unir fé e psicologia na busca de encontrar respostas para os problemas do dia a dia.


[Confissão Positiva]

Chama atenção a preferência por livros de Confissão Positiva entre as denominações. Sua origem é apontada no "Word of Faith", movimento liderado por Kenneth Hagin e seu seminário Rhema. As origens, contudo, vem de meados do século XIX, nos Estados Unidos. Sua gênese pode ser encontrada na cidade de Boston, onde Phineas Parkhurst Quimby, um autodidata em tratamento de neuroses, realizou "leituras esotéricas e longas meditações acerca das inclinações subjetivas, privadas" (Meyer, 1988:34) para tratar de seus pacientes por meio de cura mental.

O primeiro livro dessa linha foi produção de um ex-paciente de Quimby: o reverendo Warren Evans publica em 1869 - três anos após a morte de Quimby - The Mental Cure, indicando a origem desse movimento nas produções que tratam de "Cura Mental" (Mind cure). Mary Baker Eddy, também paciente de Quimby, desenvolveu seus ensinamentos e fundou uma nova religião, a Ciência Cristã. Vários outros seguidores continuaram esse legado, com uma série de livros publicados nos anos seguintes. Esses trabalhos dão bem a idéia da lógica presente: Power of Will (que em quinze anos vendeu 600.000 exemplares, lançado em 1906), The Secret of Success, Every Man a King.

Em 1925 Bruce Barton lança o livro The Man Nobody Knows, no qual Jesus Cristo é apontado como o "primeiro grande executivo", o "primeiro grande anunciante" e o "fundador da forma moderna de comércio". Barton vê em Jesus o modelo de executivo e tem em seu livro um grande best-seller, além de ter lançado sobre a Bíblia o livro The Book Nobody Knows. Mas é em 1952 que chega às livrarias o grande inspirador e centro dessa doutrina, quando o pastor Norman Vicent Peale publica The Power of Positive Thinking. O livro de Peale vendeu milhões de exemplares por todo o mundo, e permaneceu entre os mais vendidos, ininterruptamente, por dois anos nos Estados Unidos. O autor de O poder do pensamento positivo tornou-se figura pública nesse país, aparecendo cotidianamente em jornais, programas de entrevistas e revistas (op. cit: 264).

Nascido dois anos antes do lançamento do primeiro livro de Peale (Art of living, 1937), um fracasso de vendas, Oral Roberts lançou em 1955, então com vinte anos, seu primeiro livro com o sugestivo título God’s Formula for Success and Prosperity. A fama da Confissão Positiva difundiu-se entre os evangélicos americanos com a divulgação providenciada por Roberts, Schuller entre outros líderes da Igreja Eletrônica, além do trabalho desenvolvido por Hagin - que apesar de não ser um dos pregadores eletrônicos também foi grande responsável pela disseminação e popularização dessa doutrina, à qual teve acesso por meio dos livros de Essek William Kenyon, lidos a partir da década de 1970, o qual também passou pelas mãos de Quimby.

Hagin já foi acusado de plagiar trechos inteiros de Kenyon em seus livros. Sua argumentação é que por gostar tanto desse autor o costuma "citar livremente" (Hagin, 1988:9). No prefácio de seu livro O nome de Jesus inicia afirmando sua inspiração nos livros do Kenyon e sobre o livro The Wonderful Name of Jesus chega a sugerir: "Aconselho você a adquirir um exemplar desse livro, é conhecimento pela revelação. É a Palavra de Deus" (op. cit:7).

Peça-chave nesse processo também é o reverendo Robert Schuller. Com muitos livros publicados no Brasil, Schuller é pastor da Igreja Reformada, a mesma de Peale. Sobre ele Assmann (1986:54) aponta que "cultivou amizade e sofreu profunda influência de Norman Vicent Peale, cujas idéias... receberam dele novos adornos de citações bíblicas... editou uma Bíblia com os destaques próprios para o caso: sua famosa Possibility Thinker’s Bible". No Brasil foram traduzidos alguns de seus títulos que tratam de questões relacionadas ao pensamento positivo.

É exatamente dentro dessa linha de pensamento que alguns autores apontam a gênese das colocações sobre prosperidade da Nova Era. Heelas mostra que seria "interessante comparar as doutrinas de prosperidade da Nova Era com os ensinamentos análogos na esfera do cristianismo" (Heelas, 1996:31). Ponto inicial da Teologia da Prosperidade evangélica é a crença na Confissão Positiva, inicialmente mais difundida por Peale e depois assumida por Hagin, Roberts, Schuller e todos os outros pregadores eletrônicos. Dessa fonte também bebeu o médico neurolingüista Lair Ribeiro.

Essa vertente da Nova Era dedica-se à pregação e ao incentivo da prosperidade financeira. Como aponta a fala de um de seus teóricos citado por Heelas: "Ter uma consciência de prosperidade permite que você atue com facilidade e sem esforço no mundo material. O mundo material é o mundo de Deus, e você é Deus sendo você. Se você está experimentando prazer, liberdade e abundância na sua vida, então você está exprimindo sua verdadeira natureza espiritual. E quanto mais espiritual você se torna, mas prosperidade você merece" (Phil Laut apud em op. cit:21).

Na escolha dos livros feita pelos fiéis podemos perceber em que nível se encontra a aceitação dessas teorias entre os evangélicos cariocas, já que grande parte das obras citadas incentivam e ensinam como "declarar coisas boas". Livros como os de Hagin, Gosset e Linhares obtiveram uma significativa aceitação nos diferentes grupos eclesiásticos, indicando uma preferência que merece ser estudada em profundidade. Quais os efeitos dessa doutrina na comunidade evangélica? O que ela representa atrelada à difusão da Teologia da Prosperidade?

A preocupação com saúde, prosperidade e a "valorização do eu" são elementos que caracterizam a Nova Era e que são perceptíveis em vários espaços religiosos e seculares. É possível resgatar uma origem cristã para a Nova Era a partir dos positive thinkers (Meyer, 1988), como vimos acima, mas encontramos também nos atuais modelos evangélicos uma série de similitudes que nos permitem apontar a existência de uma "Nova Era evangélica".

Peculiar exemplo dessa Nova Era evangélica seria o programa da episcopisa Sônia Hernandes da Igreja Evangélica Renascer em Cristo. Na busca de estar de bem com a vida, ela fala sobre cura, prosperidade e salienta a importância de se viver uma religião do eu: "Segredos, segredos espirituais, de como estar bem com a família, de como ser bem-sucedido nos negócios e de como estar equilibrado interiormente. É isso que a gente passa para você no ‘De Bem Com a Vida’, porque com essa esperança que vem de Deus não tem quem segure a gente!" (Programa De Bem Com a Vida, fevereiro de 1997).

R. R. Soares e Valnice Milhomens possuem uma teologia explicitamente mais próxima à de Hagin, contudo é no programa de Sônia Hernandes onde há uma disposição e uma linguagem de classe média. Nos gestuais e vestuário há toda uma identificação com o vivenciado por grupos sociais mais bem situados na sociedade: "O movimento Nova Era, no Brasil e em outros países onde tem-se desenvolvido, vem atraindo principalmente pessoas das classes médias urbanas, que apresentam afinidade eletiva com o ‘expressivismo psicológico’, na sua busca por ‘autenticidade’, ‘liberdade’ e ‘auto-aperfeiçoamento’" (Amaral, 1996:58).

A identificação de Sônia com uma possível Nova Era evangélica nos parece mais significativa do que com outros pregadores da Teologia da Prosperidade. A semelhança de sua linguagem com manuais de auto-ajuda é significativa, como também a utilização de termos peculiares à Nova Era, como "equilíbrio", "positivo", "amor", "poder", "sabedoria" e "energia". O pastor pentecostal Ricardo Gondim publicou um livro no qual aponta o "Evangelho da Nova Era", questionando duramente os ensinos de Hagin. O diretor do Instituto Cristão de Pesquisas Paulo Romeiro escreveu o livro Super Crentes onde ataca pregadores brasileiros, principalmente Valnice Milhomens, R. R. Soares e Miguel Ângelo.

O êxito de Sônia pode ser entendido como um bem-sucedido processo de cristianização do discurso da Nova Era, que se consolida no mundo neste final do século. Utilizando-se de termos e palavras peculiares a esse grupo, Sônia atinge um perfil específico da população - o qual ainda não possui um variado número de opções no campo religioso que contemplem essas características - ao apresentar uma variante do discurso da Nova Era, dando uma roupagem evangélica a elementos desse movimento.

Ao oferecer de forma eficiente uma Nova Era evangélica, Sônia disputa, praticamente sozinha, dentro do campo religioso, uma significativa, e pouco atendida, parcela de fiéis, atingindo setores, grupos e localidades onde os evangélicos geralmente não têm amplo acesso. Seu êxito também deve ser entendido dentro da ação da Igreja Renascer em Cristo, responsável pela difusão de uma "cultura gospel" no Brasil, segundo a qual, por exemplo, os jovens convertidos não necessitam assumir novos gestuais e vestuário para serem evangélicos. Antigos modelos recebem nova conotação, o white metal substitui o heavy metal - mas que visual e auditivamente não possuem diferença. Certamente, não podemos esperar que esta identificação seja aceita, já que o campo religioso é eivado de disputas que exigem distinção:

Não tenho nada a ver com a Nova Era, a gente ama as pessoas que estão lá, mas a teoria é completamente maluca, absurda e improvável... com certeza não tenho nada a ver, isso é líquido e certo. O que associam ao que eu falo é a questão da prosperidade, que algumas igrejas pregam, que outras igrejas não pregam, que umas se abrem, outras não se abrem e outras combatem. Com relação à prosperidade, nós vivemos praticamos. É bíblica, não só em alguns textos, ela é bíblica de Gênesis a Apocalipse. Deus não criou o homem e o colocou numa maloca, ele o colocou no paraíso, quem fez o paraíso virar uma maloca foi o homem... A gente vê, do segundo ou terceiro capítulo de Gênesis até o livro de Apocalipse, um esforço de Deus resgatando aquilo que o homem perdeu. Prosperidade para nós não é a riqueza em si, dinheiro, só isso. Pode ser também isso, muito... A prosperidade é uma condição inteira da pessoa, de ter uma alma próspera, ter pensamento sadio, uma maneira de pensar, de enxergar as coisas, próspera. Uma maneira de se sentir próspera, que não se deixa levar por seu coração enganoso, uma maneira de viver próspera... Uma pessoa quando está bem ela tem mais visão e não é tão roubada, internamente e externamente, ela estará produzindo e prosperando mais em tudo que estiver fazendo... Realmente, a nossa nova era começou dois mil anos atrás quando Jesus nasceu, então essa é a nova era que já começou há muito tempo

Entre seus pares evangélicos, também há a percepção desta relação: "O pessoal da Teologia da Prosperidade, que odeia a Nova Era, não se deu conta de que eles são a versão da Nova Era no meio evangélico. Não se deram conta ainda porque não são reflexivos, então eles repetem fórmulas que dão certo, sem pensar no conteúdo dessas fórmulas, ao que estão ligadas e de onde elas vieram. Às vezes eles pensam que vieram da Bíblia, mas foram apenas ajustes bíblicos a fenômenos contemporâneos".

Chandler (1993), um jornalista evangélico americano, apresenta uma série de críticas a semelhantes processos que estão sendo introduzidos no seio das igrejas naquele país: "Técnicas de auto-aprimoramento, visualização e fantasia controlada conseguiram afetar muitas denominações protestantes, alguns círculos católico-romanos e não poucas igrejas cristãs pentecostais e carismáticas (op. cit:261).

A partir das descrições de Chandler, parece-nos haver significativas aproximações com aquilo que presenciamos nas reuniões da Igreja Renascer em Cristo, assemelhando-se aos ensinamentos de Louis Tice, consultor da General Electries, da CIA, do exército, da marinha e da força aérea americana. Tice é do Pacific Institute e - como também Charles Krone (Pacific Bell) e Chris Mayer (Sportmind) - desenvolveu uma série de técnicas ligadas à confissão positiva para serem aplicadas entre executivos. Sobre as declarações, o autor destaca que a prática de declarar, de se "ver ocupando a cadeira de seu chefe" pode ser descrita como o intuito de "manipular a realidade ou evocar a aparição ou ajuda da deidade" (op. cit:323). Para o autor isso representaria um problema, já que "se a realidade pudesse mesmo ser criada ou manipulada pela visualização, isso permitiria que qualquer um fizesse o papel de Deus com o universo" (op. cit:325). Ainda sobre a visualização, ele escreve, citando Ron Zemke, editor de uma revista de ginástica:

Ao que tudo indica, as boas novas são que alguns processos de evolução - psicotecnologias, se assim você preferir - podem servir como ferramentas eficazes para estabelecer mudanças fundamentais nas atitudes e na maneira de pensar das pessoas. As más novas... bem, são as mesmas que as boas novas: a meditação e a imaginação orientada e a "sugestiopedia" e as afirmações, podem realmente ser instrumentos eficazes na transformação das pessoas... Em outras palavras, o problema bem pode ser não que as psicotecnologias da Nova Era não funcionem, mas que funcionem bem demais (op. cit:326).

Os críticos evangélicos indicam sérios problemas em relação à ética e às interpretações bíblicas desse grupo, apontando que às vezes a questão financeira não é o principal equívoco, mas sim as idéias antropocêntricas que estão por detrás da Teologia da Prosperidade e de seu par obrigatório, a Confissão Positiva. A pregação da Confissão Positiva é uma das fontes originárias da Nova Era, a qual os evangélicos repudiam, mas que talvez estejam participando sem saber. Como exemplificam as palavras do pastor pentecostal Ricardo Gondim:

Sabem o que é que vem acontecendo nestes últimos dias? Uma acomodação ao espírito da época. Que nós podemos chamar de "Lair Ribeirização" da fé. As palavras passaram a ter autonomia de produzir realidades em si mesmas. A fé deixou de ser uma dependência do caráter de Deus e passou a ser um poder dirigido a Deus. As orações passaram a ser decretações do que Deus tem que fazer. A submissão inverteu-se: é a de Deus ao que ele já prometeu e não de mim à vontade Dele. O dar deixou de ser um sinal de despojamento econômico e sim um investimento para se receber cem vezes mais (Amorese. 1995:88).

O "toma-lá-dá-cá" é constante nesse tipo de religiosidade que almeja para a terra todas as maravilhas que o pentecostalismo tradicional imaginava para o céu. O importante é o hoje, o agora, e esse deve ser o melhor possível, afinal os evangélicos são "filhos do rei" e foram criados, como gostam de repetir os defensores dessa teologia, para serem "cabeça e não cauda". Esse antropocentrismo salientado pelos críticos evangélicos tem um espaço privilegiado para interpretação dentro da Associação Renascer de Empresários e Profissionais Evangélicos (AREPE) da Igreja Renascer em Cristo. Com reuniões às segundas as atividades da AREPE tomaram o espaço dos "cultos gospel", grande sensação da denominação que no mesmo dia lotava seu templo-sede no bairro do Lins (SP). Agora o templo ainda permanece lotado, mas de empresários, profissionais liberais e pessoas que vão atrás das orientações do apóstolo Estevam Hernandes, marido de Sônia Hernandes e líder da igreja, para um melhor resultado em seus negócios.

Profetize sobre sua Vida! A AREPE declara

"Nos dias atuais de globalização são tantas as novidades dentro do mercado, e no mercado brasileiro nós temos o Mercosul. Tantas oportunidades começam a surgir, e é necessário que nós entendamos que o mercado se torna cada vez mais competitivo... o reverso da globalização é amplo sobre o mercado e, principalmente, nas empresas do segmento das chamadas pequenas e médias empresas. Por quê? Porque a pressão de compra, a pressão de especialização é muito grande, e com a própria entrada das empresas multinacionais os preços vão caindo e o mercado vai se transformando violentamente. Como nós vamos enfrentar isso? Precisamos estar atentos porque essas mudanças na economia, essas mudanças no mundo dos negócios vão trazendo novos desafios, e aqueles que não se preocupam vão ficar para trás". Assim começou a mensagem-palestra de Estevam Hernandes na sede da Renascer no dia 3/3/97, após trinta minutos de "boa música evangélica" e de serem recolhidas as ofertas. O tema do dia era "A unção da expansão".

As atividades da AREPE são realizadas a partir das 19 horas das segundas-feiras. Inicialmente são feitas palestras com títulos como "Estratégias de Produtos", "Imposto de Renda - pessoa física". Na reunião de 17/3/97 foram abordados aspectos da legislação sanitária para estabelecimentos ligados à alimentação. A seus associados a AREPE oferece: uma bolsa de emprego que possui 1.100 profissionais catalogados (membros da igreja que oferecem seus serviços), espaços de publicidade (pagos) em publicações da entidade; a oportunidade de negociarem com outros empresários cristãos (o que é bastante incentivado) que também participam; solicitar explicações técnicas para "orientação empresarial"; além de poder pedir à "equipe de intercessão uma visita na sua empresa". A visita serve para que o grupo da igreja possa ungir (com óleo) e orar pelos negócios.

Participar de uma reunião da AREPE é uma marcante experiência; acompanhar, numa segunda-feira à noite, 5 mil pessoas em busca de "unção para seus negócios" não é algo comum. Aproximar ou associar as práticas de Estevam Hernandes à neurolingüística não é difícil: no livro de Lair Ribeiro (Comunicação Global - que ganhou na segunda edição o subtítulo "a neurolingüística aplicada à comunicação") é possível perceber, pelas questões pontuadas no seu argumento, uma origem religiosa na Nova Era:

Quando desenvolvemos o hábito de fazer solicitações ao Universo, Ele nos atende. É o caso não só das orações religiosas, quanto das ditas com fé (convicção) como também das solicitações em geral, que fazemos a outras pessoas, empresas... uma declaração (ação de declarar) bem feita, com congruência de todo o seu ser, transforma o paradigma do ver para crer em crer para ver. Quanto mais autoridade tiver sua declaração, e quanto mais concreta ela for, maior será o seu poder de gerar ação. Quando você gera ação, o Universo conspira a seu favor!" (Ribeiro, 1992:31 e 51; grifos do autor).

Na reunião de 17/3/97, durante os quase 90 minutos em que falou, Estevam pediu que a platéia repetisse frases do tipo: "Eu sou líder, eu sou líder em Cristo Jesus". Além de usar o termo "declarar", Estevam pediu também para as pessoas "profetizarem": "Profetize sobre sua vida diga: ‘Eu quero ser um líder, a minha empresa será líder, a partir de hoje não aceito nada novo que não seja liderança’". Nas adversidades recomendou que as pessoas declarassem: "Sou cabeça e não sou cauda, e não vou aceitar qualquer processo enganatório de satanás". Para que as pessoas não gastassem mais energia com dívidas e problemas nos negócios convidou-as para que repetissem, com as duas mãos para o alto: "Eu fui chamado para a liberdade e não aceito nenhum jugo de escravidão".

Além dessas repetições e de uma pregação cativante, Estevam apresenta sugestões práticas para quem vive no mundo dos negócios. Ele transmite conselhos e orientações àqueles que querem prosperar na vida: "Quem gosta de sócio gosta de luta. Se tiver que ter sócio, só se ele for remido e lavado no sangue de Jesus, mesmo assim não deva nada para ele". Sua experiência na área é considerável, exerceu funções de marketing na Xerox do Brasil e na Itautec, realizando cursos no exterior. Hernandes utiliza seus conhecimentos como expert no assunto ministrando até mesmo cursos para pastores e líderes sobre marketing religioso. Sua igreja é administrada por uma fundação que, além de trabalhos assistenciais, vende uma série de produtos e serviços que exploram a marca (patenteada) Gospel.

Entre as orientações dadas Estevam também sugere que os fiéis, todos os dias pela manhã, repitam o ritual de declarar "Eu sou cabeça e não sou cauda. Senhor, estou caminhando para ser cabeça e não cauda". Ao chegar à empresa devem repetir "Minha empresa será líder no seu setor". Como reitera, "tem que querer". Recomenda que as pessoas se comportem como "mulher grávida, onde o centro de sua vida é seu filho": "Fique grávido da idéia de que você é um líder". Orienta para que também seja escrito em todos os documentos da empresa a "sua liderança". Dá como exemplo o dólar com sua frase In God we trust.

Aos empregados ele diz: "Profetize todos os dias que você será líder no trabalho". Pergunta a audiência quem possui patrão e pede que levantem a mão. Então fala que todos os dias essas pessoas devem profetizar que tomarão o lugar de seu superior. Observando a platéia Estevam vê um de seus diretores na Fundação Renascer, da qual é presidente, e diz em tom jocoso: "Mano, você pode ir baixando o braço, porque vai ser ruim Deus me tirar de lá", para depois remendar sério: "Os desígnios de Deus não nos cabe definir".

A reunião está chegando ao final falou-se de negócios, vendas, prosperidade. É hora dos obreiros e pastores passarem óleo na testa dos presentes enquanto Estevam invoca o "derramamento da unção de liderança". Ele fala em visões e revelações de Deus enquanto ora. Pede que as pessoas repitam, duas, três vezes a frase "Eu sou líder". Com todos de pé é o momento de clímax da reunião. Após essa cartarse Estevam convida aqueles que gostariam de "experimentar em suas vidas tudo aquilo que ele falou que vão à frente e aceitem Jesus como Senhor e Salvador".

A colocação dessa proposta, tão cotidiana nas igrejas evangélicas, ao final daquela reunião se apresentou como uma readaptação e atualização da mensagem evangélica ao mundo contemporâneo. Estevam não desconhece - pela forma que encaminhou seu apelo, enquanto centenas de pessoas se dirigiam para a frente da igreja - as similaridades de sua pregação com a Nova Era e as práticas que orbitam ao seu lado: "Aí fora está cheio de livros de auto-ajuda, mas nenhum deles poderá fazer o que Jesus fará na sua vida". Esse estilo de reunião encontra na Teologia da Prosperidade a principal âncora para seus argumentos, pregação que estabelece uma religião em que o fiel desempenha papel de investidor, como escreve Prandi:

A prosperidade está aberta a todos, mas é preciso que se dê o que se tem para a igreja, quanto mais melhor, de preferência tudo. Quanto mais se dá para Deus, mais se recebe, e isso não é mera retórica. São inúmeras as estratégias e os jogos operados pelos pastores nos cultos para a extração do dinheiro. O ato de dar dinheiro, com a certeza de que ele vai voltar, acrescido, é um gesto do investidor. Para os crentes de negócio, os pequenos empresários, os desejosos de se estabelecerem, a nova religião oferece possibilidades de progresso mais ambiciosas: é possível fazer de Deus um sócio nos negócios e prosperar sem limites (Pierucci & Prandi, 1996:270).


Ao apontarmos a pregação da Igreja Renascer como uma possível variante de ofertas religiosas geralmente designadas por Nova Era temos consciência que isto pode soar pejorativamente. Contudo, não podemos desconsiderar que há contaminação entre os campos culturais.

Longe de entendermos essa opção como negativa (ou positiva), o que pretendemos indicar é a forma como certos elementos culturais específicos da Igreja Renascer se estabeleceram a partir dos contatos feitos por Estevam no campo profissional quando ocupava cargos de gerência de marketing. Podemos pensar a conformação dessa Nova Era evangélica na direção que Sanchis dá para o sincretismo, o qual se caracterizaria por uma "tendência a utilizar relações apreendidadas no mundo do outro para ressemantizar o seu próprio universo". Processo que não "é próprio do campo da religião, mas estende-se ao campo genérico, da cultura" (Sanchis, 1994:7). Elementos aprendidos na prática profissional e compartilhados na dinâmica social contribuíram na conformação da pregação da Igreja Renascer em Cristo. "Processo de sincretismo" que se torna claro, p. ex., nas reuniões da AREPE.


 

Os evangélicos e o crescimento dos sem religião

No maior País católico do mundo presenciamos uma beligerante disputa por fiéis. A Igreja Católica "perde" adeptos para os pentecostais, que por sua vez satanizam os deuses do candomblé e umbanda. Em meio a tudo isso a Nova Era se torna cada vez mais evidente. As religiões brasileiras se encontram de forma acirrada na disputa desse "mercado de bens simbólicos".

Ultimamente fala-se muito do crescimento evangélico. Pastores e bispos não poupam nas cifras e afirmam serem responsáveis pelo grupo religioso que mais cresce e que, conseqüentemente merece maior atenção e respeito do poder público e dos meios de comunicação. Uma análise do resultado dos dados dos últimos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não confirmam essa postura.

O crescimento dos evangélicos se deve a ação dos pentecostais que aumentaram 114% na última década, mas mesmo com esse desempenho bem superior ao crescimento populacional não é esse o grupo religioso que mais cresceu. Curiosamente em meio a todo o "reencantamento" experimentado nos últimos anos o censo indica que o número de pessoas que se definem como "sem religião" cresceu de dois (1980) para quase sete milhões (1991), o que significa um aumento de 250% (Fonseca, 1997:34).

Isso seria a materialização de uma secularização à brasileira? Mesmo com toda a significativa presença católica, com uma "tradição subterrânea" (Velho, 1994) baseada na crença em espíritos, o crescimento pentecostal, o boom editorial de livros da Nova Era, além da consolidação de uma série de Novos Movimentos Religiosos, o grupo religioso que mais cresce no Brasil é o daqueles que se definem "sem religião".

Concordamos com Bruce (1996) quando aponta que em situações de transição cultural - momento em que a religião assume papel que vai além da intermediação entre o sagrado e o mundano - a religião encontra espaços privilegiados para estabelecer-se. As mudanças experimentadas no Brasil nos últimos 50 anos são extremamente significativas e a efervescência religiosa faz parte desse processo. Contudo, mesmo com esse ambiente propício para a prática religiosa os dados dos censos do IBGE apontam um crescimento médio de 220% de uma década para outra dos "sem religião" entre 1940 e 1991. De 1980 a 1991 esse grupo cresceu 250%. O Gráfico 1 apresenta o percentual dos "sem religião" a partir de informações recolhidas nos censos (cf. Camargo, 1973 e IBGE) entre a população de 1940 até 1991.


Gráfico 1

O percentual dos "Sem Religião" na População Brasileira (1940 - 1991)

Fonte: Censos Demográficos, IBGE


Com maior crescimento relativo, os "sem religião" vão se tornando cada vez mais numerosos e passam a representar significativo grupo na composição do campo religioso brasileiro. Mantido o desempenho dos anos de 1980, no ano 2000 teremos um número surpreendente: 24 milhões de "sem religião" ou quase 15% dos brasileiros. Com esse resultado os "sem religião" superariam os evangélicos (que no ano 2000 seriam 22 milhões, 13%) e se tornariam o segundo maior grupo religioso brasileiro. A observação desses dados em dias de crescimento pentecostal certamente pode causar estranheza para muitos, mas as projeções assim apontam.

Encontra-se pujante no seio da sociedade brasileira um processo de secularização, que tem dois movimentos. O lento e gradual estabelecimento de uma visão de mundo ausente da noção religiosa, o que ainda tomará um longo tempo, e a definição dos indivíduos em direção a auto afirmação e compreensão de que podem viver "sem religião". O que não precisa ser necessariamente lido como uma negação de Deus, mas que deve ser interpretado como diminuição da religião-de-Igreja e da interferência da religião no Estado.

Qual é a origem dos "sem religião"? Que confissão religiosa possuíam antes de decidirem não mais seguir uma religião? Adotaremos nesse trabalho a definição de religião utilizada por Bruce, onde "religion consists beliefs, actions, and institutions which assume the existence of supernatural entities with power of action, or impersonal powers or processes possessed of moral purpose" (Bruce, 1996:7). A Tabela 3 nos fornece informações sobre o antecedente religioso de pessoas que se consideraram sem religião. Metade é oriunda de confissões religiosas e a outra metade nunca participou de uma religião.

 
Tabela 3

Religião Anterior dos Sem Religião (%)

Religião Anterior

Sem Religião

Sem Religião

   

(somente convertidos)

Católica

21,2

38,1

Evangélica Histórica

6,0

11,9

Evangélica Pentecostal

8,3

16,7

Espírita Kardecista

0,0

0,0

Afro-brasileira

2,4

4,8

Outra

13,1

28,6

Sem religião

-

-

Nunca mudou de religião

50,0

-

Total

100,0

100,0

Fonte: Pierucci & Prandi, 1996:263-4



A participação entre os sem religião de fiéis oriundos das igrejas evangélicas é bastante significativo, considerando o disseminado conhecimento da alta participação dos fiéis evangélicos em suas comunidades, como demonstraram as informações do ISER (1996) ou mesmo a Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios do IBGE de 1988, em que 84% afirmou freqüentar a igreja pelo menos uma vez por semana. No conjunto dos evangélicos teríamos somente cerca de 8% de "fiéis nominais", que não participam dos cultos ou que "freqüentam" anualmente atividades de sua religião. Já entre os católicos os "freqüentadores anuais" representam 22% dos fiéis (39% não participam), enquanto os que participam semanalmente de uma missa representam apenas 18% dos católicos (Fernandes, 1994:181).

Esses números nos remetem à discussão acerca dos "católicos praticantes", da tensão "Catolicismo x Igreja Católica" (Mariz, 1989) ou da abordagem "Catolicismo Tradicional x Catolicismo Internalizado" adotada por Pierucci & Prandi a partir de Camargo (1973): "Dentre os católicos, a maioria ainda é constituída daqueles que aqui vamos chamar de católicos tradicionais, reunindo tanto os que freqüentam a igreja esporadicamente como os que têm freqüência regular mas não se envolvem em movimento de renovação ou agremiações (...) de reavivamento da vida católica (...). Se a maioria católica é formada de católicos tradicionais, há por outro lado uma grande fatia de 13,5% de cidadão brasileiros que vivem o catolicismo a partir de reorientação pessoal por uma das diferentes modalidades de internalização ou engajamento religioso" (Pierucci & Prandi, 1996:215).

Além da baixa freqüência também temos as discordâncias no que se referem as principais doutrinas católicas, muitos fiéis desconhecem ou ignoram determinadas confissões da sua fé. O que ocasiona, p. ex., como demonstra levantamento feito por Piquet Carneiro & Soares (1992:40), que quase metade (45,9%) dos que freqüentam regularmente a Igreja Católica acreditam na doutrina espírita - negada pelo catolicismo - da reencarnação.

Assim, apesar de 38% dos convertidos aos "sem religião" serem católicos não nos parece produtivo apontar relações com o pertencimento ao catolicismo e o fato das pessoas optarem por negarem uma filiação religiosa. Parece-nos haver uma origem religiosa (religião-de-Igreja) "não-praticante/tradicional" desses católicos. Por outro lado chama atenção os 29% de ex-evangélicos que configuram a "clientela" dos "sem religião".

Pesquisa realizada por Gómez (1996) trabalhou com o crescimento e a deserção na Igreja Evangélica da Costa Rica. Por meio de amplos levantamentos nacionais o autor encontrou uma relação entre crescimento e deserção nas igrejas evangélicas. Pesquisa realizada pelo Instituto Gallup em 1989 indicou que enquanto 8,9% da população era evangélica, outros 8,1% já tinham sido evangélicos em algum momento de suas vidas, e em 1991 os evangélicos chegaram a 10,6% da população enquanto os "ex-evangélicos" a 12,1%. Em seu livro Gómez demonstra que cerca da metade dos egressos de igrejas evangélicas decidiu-se por não pertencer a nenhuma religião, sendo que em algumas cidades esse percentual chegou a 86%.

A pista que nos parece mais interessante - não por uma possível capacidade racionalizante, mas pelo desraizamento que produz - é a que relaciona o crescimento evangélico e a conseqüente pluralização do campo religioso com a intensificação do processo de secularização em nosso país. Como salientou Antônio Flávio Pierucci (1997:115) "pluralismo religioso não é apenas resultado, mas fator de secularização crescente", esse "revival religioso" experimentado no Brasil favorece o desenraizamento dos indivíduos da cultura tradicional (no caso católica) o que acaba por fortalecer o aumento dos que se definem como sem-religião. As pessoas percebem que é possível a mudança e se abrem a virtualidade de se quebrar vários códigos sociais, de se romper com a tradição. Dado o primeiro passo as conseqüências se apresentam de forma variada, viabilizando potencialmente a negação de pertença religiosa, pois a mudança religiosa significa "romper com a própria biografia" (Pierucci & Prandi, 1996:18).

O Rio de Janeiro é o estado brasileiro mais secularizado. Se o percentual nacional de pessoas que se declararam "sem religião" no censo de 1991 é de 4,7%, no Rio de Janeiro esse número alcança 13,7% da população carioca. Na região da Baixada Fluminense (Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti e Belford Roxo) grandes cidades dormitórios que ganharam notoriedade por sua violência, pobreza e mais recentemente pela ativa ação religiosa efetivada pelos evangélicos - a relação templos/10.000 habitantes é três vezes maior do que na Zona Sul do Rio de Janeiro ou o dobro em relação a Zona Norte/Subúrbios (Fernandes, 1994:171). Confirmando essa presença, o censo de 1991 aponta que 16% de seus habitantes se define como evangélico, praticamente o dobro dos 8,6% alcançados na média nacional.

Porém o dado mais surpreendente para uma região com alta presença de fiéis e de igrejas evangélicas, além de uma Igreja Católica fundamentada na ativa e participativa experiência das Comunidades Eclesiais de Base e de uma religiosidade afrobrasileira estabelecida de forma significativa (no censo 2,1% dos moradores da Baixada declararam pertencer a Umbanda ou ao Candomblé, a média nacional é de 0,4%!) é o percentual de pessoas "sem religião": 19,51%. Praticamente a cada cinco pessoas que transitam pelas ruas de Duque de Caxias ou Nilópolis, p. ex., você encontrará uma que nega qualquer filiação religiosa apesar de viver numa sociedade que aparentemente estaria imersa num sistema cognitivo marcado pelo sagrado.

Como se dá essa evasão religiosa senão por meio das explicações que nos oferecem a teoria da secularização? Os dados da Tabela 4 caminham nesse sentido, onde os três primeiros estados com maior percentual de "sem religião" são também os três maiores em número de evangélicos:



Tabela 4

Estados com maior percentual de Evangélicos e de "Sem religião" (%)

Estado

Evangélicos

Sem Religião

Rondônia

20,6

6,92 (2)*

Espírito Santo

17,2

6,03 (3)

Rio de Janeiro

12,1

13,74 (1)

Goiás

11,3

5,16 (7)

Rio Grande do Sul

10,8

2,92 (17)

Média Nacional

8,56

4,73

Fonte: Censo Demográfico, IBGE (1991). *O número entre parênteses indica a colocação do Estado no ranking dos "sem religião".

 

 

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